terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A Cor do Mercado de Trabalho

Originalmente publicado no Informativo FASM-Jornal Informativo do Curso de Relações Internacionais da FASM (Antecessor do Inter Relações) – Jan-Fev/2000.


Um pouco da história (oficial!)

22 de abri lde 1500, o Brasil foi descoberto pela esquadra de Pedro Álvares de Cabral. Mas a colonização, de fato, começou no inicio dos anos 30 daquele século com a expedição de Martin Afonso de Souza. A partir de então, a relação com os índios – que até esse momento consistia em troca de quinquilharias por pau Brasil – começou a mudar.

Os portugueses foram desalojando os índios de suas terras e tentaram escravizá-los. Mas as fugas das tribos para o interior, a resistência do índio, sua defesa pelos jesuítas e os interesses do tráfico africano, fizeram do negro o principal elemento escravo da colônia.

Os negros, por sua vez, também não aceitaram passivamente sua escravidão, e desde os primeiros tempos lutaram contra ela. As revoltas cada vez mais violentas, a pressão dos abolicionistas somada aos interesses internacionais levaram a Câmara dos Deputados a aprovar o projeto de Rodrigo Silva, o qual foi sancionado pela regente em 13 de maio de 1888 – era o fim da escravatura no Brasil. No entanto, deve-se levar em conta que, mesmo antes da Abolição, em São Paulo os escravos já vinham sendo substituídos por imigrantes.


A mestiçagem

Com a abolição, surge para os pensadores brasileiros a questão de construir uma nação e uma identidade nacional tendo em vista a nova categoria de cidadãos: os ex-escravizados. Este processo de construção da identidade nacional na cabeça de elite pensante e politica baseou-se no ideal de branqueamento, ou seja, mestiçar brancos e negros de forma que ao passar das gerações a população negra fosse diluindo-se gradativamente. Mas o ideal de branqueamento enfrentou fortes resistências populares e foi abandonado em meados deste século (no caso século XX).

Temos então o Brasil como uma nova civilização feita de homens e mulheres das mais variadas etnias. Entretanto, o surgimento de uma etnia brasileira capaz de envolver e acolher toda essa gente variada, passa por uma anulação das identificações étnicas e por uma identificação entre as várias formas de mestiçagem. Sem dúvida, todas as culturas dos povos que se encontraram foram beneficiadas por um processo de empréstimos e de transculturação desde os primórdios da colonização; isto faz do Brasil o país mais mestiçado do mundo. Com isso, os mestiços brasileiros acabaram por entrar em uma categoria intermediária, hierarquizada entre o branco e o negro/índio, porém não constituem uma categoria de destaque devido ao fato do preconceito racial brasileiro ser de cor e não de origem como nos Estados Unidos e na África do Sul. A combinação do critério de cor e a condição socioecônomica permitem que o individuo atravesse a linha de cor e se reclassifique como branco.

Hoje, apesar de todas as classificações existentes, se observa que brancos e negros, mais do que imaginam, compartilham modelos comuns de comportamento. Os primeiros são mais africanizados e os segundos, mais ocidentalizados do que pensam. Por outro lado, uns interpretam o aumento cada vez maior de mestiços na nossa população como a realização do ideal de branqueamento. Mas o pensamento dessa pessoas é certamente equivocado. E, numa só frase o pensador Silvio Romero traduziu toda a nossa situação étnica: “Todo brasileiro é um mestiço, quando não o é no sangue o é nas idéias”.


Nossa Proposta

Na crise atual, onde somos atores e, ao mesmo tempo, platéia de um Brasil assustado, dono de um gigantismo natural e antagônico, desfavorável sob certos aspectos, um país que precisa preencher imensas lacunas históricas, cicatrizar feridas sociais, estancar hemorragias econômicas, esquecer velhos sonhos, se reconstruir – ou se construir de fato, já que só se pode reconstruir o que antes já havia sido algo - até pode parecer irônico falarmos do mercado de trabalho nos 500 anos da sociedade brasileira, mais ainda da cor deste mercado.

Com esta imagem, digamos assim, um tanto “desencantada”, decidimos fazer o seguinte recorte no subtema “a cor do mercado de trabalho no Brasil”: não trilharíamos caminhos já saturados, queríamos ir um pouco além. Afinal, muitas pesquisas (excelentes) já foram feitas.

Foi então que nos ocorreu a idéia de encararmos o desafio tentando analisar o subtema pelo lado místico. Não simplesmente falar deste ou daquele negro que conseguiu ser general, do sansei que passou em primeiro lugar no vestibular da USP, do índio que bebeu chá com a Rainha de não sei onde etc. Absolutamente! Partiríamos, sim, do que é comum a todas as cores, a todos os homens: o mito, o desejo.

Para o psiquiatra suíço C. G. Jung – introdutor da noção de um inconsciente coletivo, que representa o acúmulo de experiências da humanidade e se exprime por seus arquétipos – os mitos são representações espontâneas vindas dos inconsciente, de verdades psicológicas e espirituais. Representam de forma alegórica os padrões de vida universalmente reconhecidos. Dessa forma, um mito está para a humanidade em geral, assim como o sonho para o indivíduo. E isto vai ter repercussão na nossa auto estima. A forma como nos sentimos acerca de nós mesmos é algo que afeta crucialmente todos os aspectos da nossa existência. Os dramas da nossa vida são reflexos das visões mais íntimas que temos de nós mesmos. Somos, no fundo, a mistura da realidade e do mito.

E quem está 100% contente consigo mesmo?” - este foi nosso ponto de partida. Simulamos, então, um anúncio de classificados no qual apareciam os – não raramente atrelados um ao outro – pré-requisitos “excelente aparência e apresentação pessoal”, oferecemos um cargo/salário de encher os olhos, atrelamos ao anúncio uma lista de perguntas objetivas onde o entrevistado se transformava no candidato ao suposto emprego e, o melhor de tudo, demos a ele o poder de mudar qualquer coisa em si mesmo que considerasse “insatisfatória” ou que pudesse, na sua opinião, lhe ser desfavorável na hora de vencer seus concorrentes. Distribuímos os formulários para diversas pessoas pertencentes as mais variadas cores/etnias. No final, analisamos estatisticamente e subjetivamente as respostas dos entrevistados – também subjetivamente porque havia um espaço para o pesquisado escrever sua definição (idealizada) do seu “candidato(a) ideal à vaga proposta no anúncio” e o porquê de sua resposta.


O que estávamos buscando?

Basicamente, ao darmos a oportunidade ao indivíduo pesquisado de estar na posição de pretendente hipotético e, ao mesmo tempo, de ser seu próprio contratante, desejávamos que o próprio trabalhador respondesse – numa visão subjetiva/mítica – qual a cor do mercado de trabalho no Brasil.


A frustração

Estávamos, sem dúvida, prestes a profanar “um território sagrado”, ou seja, o lado oculto, o ponto mais escondido/protegido que possuímos – ás vezes, até ignorado por nós mesmos.

No entanto, e devemos admití-lo, não conseguimos um resultado satisfatório em termos estatísticos. Alguns entrevistados responderam, mas se recusaram a devolver os questionários. Outros, não entenderam. Outros ainda, sequer responderam.

Evidentemente, o desânimo foi geral. O tempo corria e o nosso desespero aumentava. O trabalho estava inacabado. Talvez tivéssemos exagerado na dose. Talvez o questionário, de fato, estivesse confuso. Sim, era possível, afinal tudo era apressado demais... É isto! Tínhamos assumido essa urgência típica do nosso país, desde sempre.

Não estávamos estupefatos com o pretenso gigantismo do nosso trabalho, e sim, com as atitudes que se foram revelando diante dele. No total, o que não é surpresa, o referencial do mercado de trabalho continua sendo branco/origem européia. Mas o que mais nos espantou foi deparamos com mulatos (as) que, na hora de identificarem -se com dados reais, assumiram a identidade branca (e também outros casos de “reclassificação” de cor/etnia).

Havia uma dúvida no ar, um medo. Começamos, então, a nos questionar e descobrimos que também não tínhamos as respostas sobre nós mesmos. Quanto mais pensávamos, mais ia ficando instigante e assustador esse nosso auto questionamento. Era (é) assombroso esse olha para dentro na tentativa de desvendar nossa identidade real ou, quem sabe, ter de admitir que ela nunca existiu fora do imaginário.

Quanto mais olhávamos dentro desse espelho que só existe bem lá no fundo de cada um de nós, mais nos identificávamos com as indagações implícitas nas entrelinhas das respostas que nos foram devolvidas. Talvez seja essa nossa verdadeira cara/cor/corpo: uma dúvida, uma vazio, o Brasil como um rei prometido/ansiado, se debatendo num imenso corredor de espelhos.

Ele grita, fecha bem firme os olhos e corre, corre sem parar e sem destino, jovem, majestoso, enlouquecido pelo pânico de se ver refletido na crueldade real dos espelhos.

E você, quem é de verdade? Qual é a sua cor? Qual a sua cara?

Foi um desafio.

Saímos em busca das pessoas, com suas diferentes origens, cores e profissões e, qual a nossa surpresa...somos todos iguais, com o branco assumido e por vezes desconhecido...


Obs.: Este texto difere em estilo dos demais pois foi elaborado a partir de um trabalho de pesquisa realizado em grupo, composto por Abelardo Recco, Felipe Grecco, Ligia Piola e eu.

Um comentário:

  1. A mixagem de culturas de forma não extremista pode ser vista como '' perda de identidade'' para alguns. Ao meu ver, isso é mais do que bom, é necessário, desde que feita de forma instruída é muito lucrativa.
    Deixemos de profanar o que é diferente e sejamos melhores, com nossas diferenças, mas com o mesmo pensamento de evolução conjunta.
    by kléoh

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