sábado, 5 de fevereiro de 2011

A Segunda Guerra: Ferida ainda aberta, rememorada

 Publicado originalmente no Inter Relações numero 18 - Jun/2005


                                          A Segunda Guerra: Ferida ainda aberta, rememorada
  

Nunca me esquecerei daquilo, mesmo que eu seja condenado a viver tanto tempo quanto o próprio Deus. Nunca”.Elie Wiesel


Na história da humanidade, em mais de uma ocasião, houve guerras. O professor norte-americano Doyne Dawson argumenta que, basicamente, “entende-se por guerras (polemos, bellum, guerre, war, krieg e assim por diante) uma forma institucionalizada e específica de conflito humano (...); os escritores modernos a definem como um conflito letal, organizado e legitimado entre comunidades humanas” (1999:31). Semelhante classificação é dada por Hedley Bull, que qualifica a guerra como “a violência organizada promovida pelas unidades políticas entre si” (2002:211). Por sua vez, o general prussiano Karl Von Clausewitz entende a guerra como uma forma de se fazer com que o oponente se curve à nossa vontade.


Percebe-se, com base nessas definições, que “várias são as discussões que autores ao longo dos séculos desenvolveram sobre as questões da guerra” (Shiga, 2003:14), entretanto, apesar do grande número de discussões envolvendo o tema, as guerras aconteceram e continuam a acontecer.


O ano de 2005 marca os 60 anos do término da Segunda Guerra Mundial. Ao redor do mundo, durante o decorrer do ano, serão realizadas cerimônias em memória dos mortos na guerra, das vítimas do Holocausto, homenagens aos soldados que lutaram no conflito, etc.

A grande maioria dos autores que aborda esse período histórico situa as origens do conflito no pós-Primeira Guerra, mais precisamente nos acordos de paz. Tributário desse ponto de vista é o historiador inglês Eric Hobsbawn ao citar que: “a situação mundial criada pela Primeira Guerra Mundial era inerentemente instável, sobretudo na Europa, mas também no extremo Oriente e, portanto, não se esperava que a paz durasse” (2001:13). Abordar as causas da guerra demandaria uma reconstrução histórica minuciosa que não coadunaria com os objetivos deste texto.


O conflito que envolveu, de uma forma ou de outra, todos os Estados de então, sendo que “o número de mortos da guerra é muito incerto (...) alguns números de mortes, civis e militares foram estabelecidos antes que à política e a propaganda conviesse manipular muitos deles: URSS: 17 a 20 milhões; Alemanha: 6 milhões; Polônia: 5,8 milhões; Japão: 2 milhões; Iugoslávia: 1,6 mil; Grécia: 600 mil; França: 570 mil; Romênia: 460 mil; Itália: 450 mil; Hungria: 430 mil; Estados Unidos e Grã-Bretanha: 400 mil cada; Holanda: 210 mil; Bélgica: 88 mil. O total, com altas perdas asiáticas e na Oceania, foi estimado entre 40 e 50 milhões. Destas, 6 milhões seriam judeus”.(Jânio de Freitas, Folha de São Paulo, 30/12/1999, artigo o Pesadelo de todas as Guerras).


Sobre a esteira da destruição deixada pelo conflito, coube aos atores internacionais (Estados) ‘vencedores’, reconstruir um mundo com várias cicatrizes causadas pela guerra. Instituições e mecanismos para cooperação e reconstrução foram organizados, perdurando até o momento (algumas em melhores condições de credibilidade que outras).


O fim da guerra marcou o início de um novo ordenamento do Sistema Internacional, representando, em certa medida, o começo de um novo período histórico, no qual o mundo conheceu relativa estabilidade bélica. Não que os conflitos tenham deixado de existir, eles permaneceram e permanecem, porém foram localizados, havendo sempre a preocupação por parte dos demais Estados que não estavam envolvidos para que eles não transbordassem, envolvendo-os.


Construir a paz é tarefa difícil, uma vez que os interesses geoeconômicos se manifestam de forma desmedida, tornando o solo fecundo para situações desestabilizantes. O momento se apresenta oportuno, não somente para homenagear mártires ou rememorar episódios da Segunda Guerra, mas também convida a lembrar os impactos que o conflito causou na história da humanidade e refletir sobre suas conseqüências.


Há quase 500 anos Maquiavel já ensinava que “deve um homem prudente sempre trilhar os caminhos abertos pelos grandes e imitar aqueles que foram os mais excelentes, a fim de que se seu valor não puder ser atingido, que a eles se assemelhe, ao menos em alguma coisa” (1996:66). Corroborando esse pensamento, Hobsbawn comenta em seu livro “A Era dos Extremos – O Breve Século XX”, que “em 1989 todos os governos do mundo, e particularmente todos os ministérios do exterior do mundo, ter-se-iam beneficiado de um seminário sobre os acordos de paz firmados após as duas guerras mundiais, que a maioria deles aparentemente havia esquecido” (2001:13).


Dessa forma, apesar do caráter utopista de tal afirmação, a utilização dos fatos históricos como exemplos para avaliar os erros cometidos e imitar os sucessos representa uma ferramenta útil e que pode ser utilizada na manutenção da paz.



Referências Bibliográficas

ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo, 2002.
BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo, 2002.
DAWSON, Doyne. As Origens da Guerra no Ocidente. Biblioteca do Exército, Rio de Janeiro, 1999.
FREITAS, Jânio de. O Pesadelo de Todas as Guerras, in jornal Folha de São Paulo, edição de 30/12/1999.
HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos. O Breve Século XX – 1914-1991. Companhia das Letras. São Paulo, 2001.
HENING, Ruth. As Origens da Segunda Guerra Mundial. Ática. São Paulo, 1991.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 12ª Edição. Hemus, São Paulo, 1996.
SHIGA, Vagner. A Guerra e sua Ausência. In, Inter Relações, nº 11, setembro/2003.

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