segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Chernobyl, 20 anos depois - uma breve reflexão

Publicado originalmente no Inter Relações numero 21



¨Chernobyl significa: enfrentar uma guerra mais terrível do que a Segunda Guerra Mundial – a maior acontecida na história da humanidade¨ (Taissa Meltchanko).


O dia 26 de abril é uma data que muitos gostariam que não existisse no calendário. Há vinte anos, na localidade de Pripyat, a 18 km da cidade de Chernobyl, na Ucrânia, à 1 hora e 23 minutos da madrugada, houve um acidente no reator 4 da usina nuclear de Chenobyl e o destino de milhares de pessoas na Europa Oriental era selado. O mundo só tomou conhecimento do fato no dia 28 de abril de 1986, quando a extinta União Soviética, distribuiu um comunicado relatando o ocorrido.

A demora em divulgar o acidente ocorreu por conta das barreiras políticas, uma vez que a União Soviética ainda vivia sob a cortina de ferro, e o governo só divulgou nota à comunidade internacional quando a radiação em altos níveis começou a ser detectada na Europa, principalmente na França.

As causas do acidente ainda são confusas. Existem duas teorias que tentam explicar a ocorrência: a primeira delas, de agosto de 1986, colocou a culpa exclusivamente nos operadores da usina que, ao que se sabe, apesar da experiência no trabalho em usinas de geração elétrica, não possuíam qualificação para atuar em uma usina nuclear, por este motivo ignorando procedimentos básicos de segurança. A segunda teoria é de 1991 e atribuiu o acidente a defeitos no projeto do reator RBMK1, especificamente nas hastes de controle. Entretanto, esta é uma questão sem respostas concretas, uma vez que as testemunhas oculares não sobreviveram para relatar o que realmente ocorreu na madrugada do dia 26 de abril de 1986.

Dos fatos, o que se encontra documentado é que o reator 4 passaria por uma manutenção de rotina e seria desligado, ocasião em que seria também efetuado um teste para verificar se as bombas de água, responsáveis pela refrigeração do reator e outros dispositivos de segurança funcionariam no caso de interrupção no fornecimento de energia externa.

A energia para as bombas de água foi cortada, e como elas foram conduzidas pela inércia do gerador da turbina, o fluxo de água decresceu. A turbina foi desconectada do reator, aumentando o nível de vapor no núcleo do reator. À medida que o líquido resfriador aquecia, bolsas de vapor se formavam nas linhas de resfriamento. Esta situação gerou um superaquecimento do reator, que criou uma verdadeira bola de fogo dentro do edifício da planta, resultando em uma explosão que destruiu sua cobertura. Vale ressaltar que, diferente do que muitos pensam, a explosão foi térmica e não nuclear.

A explosão matou 31 pessoas instantaneamente e provocou a evacuação de mais de 130.000 pessoas da região, em virtude da exposição à radiação. Além disso, estima-se que a quantidade de radiação lançada na atmosfera equivale a cerca de 500 bombas da mesma potência da que foi lançada em Hiroshima.

A professora Marilia Teixeira da Cruz, afirma que “segundo os cientistas soviéticos, foram lançados na atmosfera 100% dos radionuclídeos de gases nobres presentes no reator“ (1996; 13). Esses radionuclídeos são uma variedade de elementos radioativos, originados no processo de combustão do urânio. Em momento algum esses elementos podem escapar para a atmosfera, pois contaminam o ar, a água, o solo, os alimentos e as pessoas.

A durabilidade da radioatividade é calculada na meia-vida do elemento, ou seja, no tempo em que ele leva pra perder metade de sua carga radioativa, podendo variar de minutos a centenas de milhares de anos. A explosão do reator liberou uma nuvem radioativa que se estendeu pela Ucrânia, Rússia e Bielorússia.

Conforme o jornalista Ricardo Arnt “basta um milionésimo de grama de plutônio para provocar câncer 30 anos após sua inalação“ (1985; 16). Ao absorver um radionuclídeo, o corpo humano o metabolizará da mesma forma que metabolizaria seu elemento estável, ou um outro elemento com propriedades químicas similares à sua. Como exemplo pode-se citar o iodo 131², que absorvido seguirá o mesmo caminho do iodo não radioativo, indo se localizar na tiróide. Recorde-se que um radionuclídeo está emitindo radiação sempre e, portanto, uma vez absorvido, ficará irradiando até que seja eliminado pela via biológica.

Afirma Cruz que “a radiação emitida ao atravessar os tecidos ioniza seus átomos deixando atrás de si elétrons e radicais livres. Quebra também ligações químicas de moléculas, dando origens a reações que podem modificar diretamente o conteúdo genético das células ou gerar radicais de hidroxila e peróxido de hidrogênio que poderão atacar biomoléculas importantes da célula” (1996; 15). A contaminação por radionuclídeos provoca conseqüências irreversíveis, causando nos seres humanos vários tipos de câncer (pulmão, tiróide, tecidos ósseos), defeitos congênitos e doenças genéticas.

O acidente inutilizou uma área equivalente a um Portugal e meio, 140 mil quilômetros quadrados, por centenas de anos. Entre 15 mil e 30 mil pessoas morreram desde então por razões associadas ao acidente. A ONU estima que cerca de seis milhões de pessoas ainda vivam em áreas contaminadas. Um em cada 16 ucranianos e milhões de pessoas nas vizinhas Rússia e Bielorússia sofrem complicações de saúde, como câncer da tireóide e problemas respiratórios atribuíveis ao desastre. Um milhão de crianças nasceram com defeitos físicos no país.

A triste realidade é que as maiores vítimas do acidente foram “crianças inocentes que até agora estão sofrendo. Muitas nem sabem quem e o quê destruiu sua saúde e felicidade. O destino e a vida de milhares de pessoas ficaram marcados para sempre. Nem o tempo vai apagar essa mancha da memória de todos nós¨ (Mélnitchenko: 1996, 125). Os organismos em desenvolvimento absorveram as maiores quantidades de radiação e seus efeitos nocivos não tardaram a se fazer sentir.

A fim de conter a radiação, foi construindo em volta do reator uma estrutura de aço e concreto, apelidada de sarcófago, que encerrou os restos do reator. Vale lembrar que apesar das toneladas de concreto lançadas sobre o reator, em seu interior ainda existe radioatividade, que pode escapar para a atmosfera. Pode-se até comparar o sarcófago com um vulcão adormecido, que dentro de escalas de probabilidades, pode ou não voltar à ativa.

Passados vinte anos, os índices de radioatividade permanecem altos tornando várias localidades inabitáveis, porém o uso da energia nuclear é uma constante em muitos países conforme pode ser observado no quadro que segue:




      País

      Unidades

Em Operação
Em Construção
África do Sul
2

Alemanha
19

Argentina
2
1
Armênia
1

Bélgica
7

Brasil
2

Bulgária
6

Canadá
14

China
3
8
China (Taiwan)
6
2
Coréia
16
4
Eslovênia
1

Espanha
9

Estados Unidos
104

Finlândia
4

França
59

Grã-Bretanha
35

Holanda
1

Hungria
4

Índia
14

Irã

2
Japão
53
3
Lituânia
2

México
2

Paquistão
2

República Eslovaca
6
2
República Tcheca
5
1
Romênia
1
1
Rússia
29
3
Suécia
11

Suíça
5

Ucrânia
13
4
Total
438
31


Fonte: IAEA PRIS DATA BANK 2001


Já que tal avanço é inevitável, o que se poderia fazer é usar a experiência de Chernobyl para, com base nela, construir um modelo de comportamento em situações semelhantes. As centrais nucleares aumentam no mundo, e com elas o risco também tende a crescer, apesar das precauções de segurança que possam ser tomadas.

Não se pode, entretanto, deixar de levar em consideração a situação política instável em algumas regiões do globo e os grupos terroristas que utilizam vários subterfúgios para se manifestar. Pois ¨mesmo que os conhecimentos técnicos se aprofundem e se aprimorem e que a segurança nas usinas seja aumentada (enterrando-as no subsolo, operando-as com robôs etc) a construção das instalações nucleares só pode ter uma referência básica: o juízo sobre a importância do risco que uma coletividade está disposta a assumir em vista das conseqüências sociais do exercício da atividade nuclear. É no nível político que o problema se coloca¨ (Arnt, 1985; 21).


Referências Bibliográficas:
ARNT, Ricardo. O que é Política Nuclear. 3a. Edição. São Paulo, SP. Editora Brasiliense, 1985.
CRUZ, Marilia Teixeira da. O que Aconteceu em Chernobyl e seus arredores, in, TOKURIKI, Keizo (coord). Bonecos de Neve em Chernobyl. São. Paulo Academia de Ciências do Estado de São Paulo, 1996.
MÉLNITCHENKO, Eléna. Restaram seis ao lado de mamãe, in TOKURIKI, Keizo (coord). Bonecos de Neve em Chernobyl. São. Paulo Academia de Ciências do Estado de São Paulo, 1996.
TOKURIKI, Keizo (coord). Bonecos de Neve em Chernobyl. São. Paulo Academia de Ciências do Estado de São Paulo, 1996.
Internet:
acessado em 17.01.2006.
1 Reactor Bolshoy Moshchnosty Kanalny:modelo de reator utilizado nas usinas nucleares da ex-União Soviética.
2 Um dos radionuclídeos produzidos na combustão do urânio.

Um comentário:

  1. Há tempos tudo o que o homem vem construindo, e de forma nunca pensada na preservação do meio em que se vive- somente depois de muito danificar o mesmo- isso mostra o quanto ainda somos inferiores e vulneráveis mesmo tendo a ideia de sermos superiores. A criação escapa por entre os dedos e os que sempre pagam são inocentes - e por muitos anos- pois a falha humana sempre existirá, por mais que tente-se ignorar esse fator.
    by kléoh

    ResponderExcluir