segunda-feira, 7 de março de 2011

Inteligência Cultural - uma habilidade necessária ao gerente globalizado

Excerto da monografia homonima apresentada no curso de pós-graduação em Gestão Estratégica e Qualidade - Dez\2007.


"Conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza" (Edgar Morin).


Diante da dinâmica de um mundo globalizado, "a inovação permanente constitui um dos aspectos mais importantes para as empresas atualmente" (Souza, 2005:7), essa inovação garante além da manutenção no mercado, suas vantagens competitivas em um ambiente cada vez mais diversificado e em constante mudança.

Existem muitas variáveis, que se multiplicam a todo o momento, na atual situação global. "Por mais bem instrumentada que esteja a empresa para digerir informações e democratizá-las a seus vários escalões, sempre haverá oportunidades laterais a serem prospectadas" (Sebben e Filho, 2005:191). Dados estatísticos apontados por Carmo (1998), demonstram que o inglês é a língua mais utilizada em 85% das ligações internacionais, em 75% da correspondência mundial e em mais de 80% dos livros científicos publicados.

A participação de negócios internacionais, no PIB brasileiro, tem aumentado significativamente nos últimos anos e o governo prevê em seus planos cada vez mais a busca de novos mercados, a fim de promover a entrada de recursos no país. Por este cenário é fácil concluir que os negócios internacionais terão cada vez mais prioridade na agenda econômica. Afirmam Rechtman e Bulhões que "por conta disso, passa a ser um requisito básico para a formação dos executivos a capacidade de negociação, não bastando o perfil gerencial típico do sistemático cobrador de resultados" (2004:66).

Depreende-se dessas afirmações que o preparo constante a fim de se acompanhar a evolução dos mercados globalizados, para se aproveitar as oportunidades que surgem, é fator essencial para a garantia da manutenção da competitividade de uma empresa, e conseqüentemente sua sobrevivência. Tendo em vista que é em seu quadro de funcionários que uma empresa está amparada, e dele depende para seu sucesso, o princípio do preparo constante, estende-se automaticamente à esses colaboradores responsáveis pela sobrevivência da empresa.

A educação assume neste contexto papel importante, pois deve como recomenda Morin "contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar e assumir a condição humana, ensinar a vida) e ensinar como se tornar cidadão" (1999:65). Trata-se de estimular o desenvolvimento da inteligência e suas múltiplas facetas, para que as pessoas tenham a habilidade de adaptar-se às diferentes situações e também de modificá-las. A consultora Suzana Doblinski reforça essa afirmação argumentando que "inteligência é respeitar a história e a validade do que existe e a partir disso transformar" (1997:202).

Dessa forma pode-se tornar sensível ao fato de que em geral os indivíduos tendem a presumir fatos amparados pela visão de sua própria cultura, ignorando os referenciais culturais da outra parte que exigem um outro olhar.


"Os preconceitos e os estereótipos são comuns na vida internacional. Português é burro, argentino é pedante, judeu é avaro, armênio é esperto, sueco é frio, russo é alcoólatra, espanhol é grosso, francês é afetado, americano é limitado, italiano é espalhafatoso, dinamarquês promíscuo, paraguaio é rancoroso, brasileiro é trapaceiro, alemão é neurótico, japonês é desconfiado e assim sucessivamente" (Sebben e Filho, 2005:197).


 
Todos esses estereótipos e pré-julgamentos criados no imaginário das pessoas ilustram bem os risco que se pode incorrer tendo-os como bases norteadoras para o estabelecimento de um relacionamento comercial. "Parece óbvio que a efetivação de uma coalizão depende da confiança entre os indivíduos que dela participam" (Marinho, 2005:118).

Segundo Kerr e Inkson, "o fato de ingressar em um ambiente desconhecido leva algumas pessoas a aprender ativamente sobre a nova cultura, enquanto outros tentam evitá-la, geralmente tentando reproduzir a cultura antiga na nova situação" (2006:44). Vale lembrar que a mão-de-obra por sua vez, também está se tornando globalizada ampliando dessa forma o desafio, pois em âmbito local já é possível perceber os reflexos globais.

Dessa forma, superar as barreiras de interação entre os indivíduos com diferentes culturas, voltados para um único objetivo, configura-se no mais novo desafio para os coordenadores de equipes que envolvam essa mescla cultural, pois "quando duas pessoas interagem, a transformação de estado de espírito ocorre da mais expressiva para a mais passiva" (Goleman, 1995:129).

Esse processo ocorre entre seres humanos e pressupõe um intercâmbio de informações, a fim de que se altere determinado status, dessa forma faz-se necessário o uso de flexibilidade e empatia, pois as pessoas tendem a ignorar informações que questionam suas crenças, valores e preferência, levando a um conhecimento superficial e insuficiente da situação, podendo comprometer o processo (Retchman e Bulhões 2004).

O avanço da globalização impulsionou essa necessidade de intercâmbio e flexibilidade diante de outras culturas. O gerente globalizado surge em cena como um novo personagem, que tem como premissa estabelecer relacionamentos com representantes de outras culturas, atuando neste sentido como uma espécie de embaixador do seu país perante seus interlocutores.

Afirmam Kerr e Inkson, que "o gerente globalizado de hoje e de amanhã precisa aprender a ser como Proteus¹ – flexível o bastante para se adaptar, com sabedoria e sensibilidade, a cada nova situação cultural" (2006:31). Existem forças econômicas, políticas, legais e culturais envolvidas num processo de negociação e é no preparo que reside o "xis" da questão, pois vestuário, comportamento, conhecimento e atuação são levados em consideração e o negociador precisa fazer com que a outra parte encontre pontos de vista compatíveis, a fim de que as tensões iniciais sejam minimizadas.

Faz-se necessário também que uma das maiores barreiras para a interação intercultural efetiva seja vencida, ou seja, não basear o comportamento em estereótipos, passando a imagem de que todos os membros de determinada cultura são idênticos (Thomas e Inkson, 2006).

Segundo Carvalhal e outros "muitos especialistas recomendam a abstenção de comentários de cunho pessoal sobre a outra parte e seu contexto cultural, região, país, mantendo-se uma atitude firme, mas afável, para evitar conflitos culturais ou de relacionamentos durante as negociações" (2006: 87).

Constata-se que é no desenvolvimento dessa habilidade de perceber o outro em seu contexto cultural, denominada Inteligência Cultural, que reside a chave para o sucesso em um processo de negociação, pois ela propicia a redução da probabilidade de se cometer gafes, além de evidenciar interesse pelo próximo facilitando os entendimentos.

É importante ressaltar que tal habilidade é um aprendizado constante, que necessita ser praticado e aprimorado sempre, pois somente a partir do momento que se percebe o outro como semelhante, apesar das diferenças culturais e respeita-se esse aspecto, é que se pode caminhar para um perfeito entendimento sem conflitos.

A Inteligência Cultural neste contexto representa importante habilidade na condução das relações humanas, tornando mais fácil o exercício diário – e difícil – de se conviver com as diferenças.


 
1-Proteus, personagem da mitologia grega. Era um deus do mar, que mudava sua figura à vontade, adaptando-se às mais diversas situações.



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1 Proteus, personagem da mitologia grega. Era um deus do mar, que mudava sua figura à vontade, adaptando-se às mais diversas situações.

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